A técnica da exclusão, por Elisabeth Zorgetz

Elisabeth Zorgetz
Arquivo/JBO

Para Jabes Ribeiro, a tarifa do transporte coletivo é uma questão puramente técnica. Não estou interpretando, não. Foram exatamente essas suas palavras durante a apresentação da avaliação fria da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, à comunidade ilheense. Muitos agrediram moralmente o prof. André Chagas, responsável pelo estudo, ignorando a natureza do trabalho que lhe tinham entregue em mãos: diagnosticar dados limitados e pouco confiáveis para estipular uma tarifa sob a ótica da rentabilidade. Olhamos além da tênue capa da mentira e vemos uma dedicada intenção em oferecer uma resposta à sociedade através da seriedade institucionalizada e burocrática, respeitada e inquestionável, ainda que trabalhe com números arbitrários. O próprio prof. André me relatou, com franqueza, que o tempo hábil para testar a veracidade das fontes não foi suficiente no contratado pela prefeitura. 

Queremos mais uma vez dizer, prefeito, que a tarifa não é um problema técnico, é um problema humano. É acesso de pessoas aos seus direitos. É mobilidade até o hospital, o fórum, a escola, à universidade, ao trabalho, ao cartório, à delegacia, ao parque e ao teatro. E ao contrário do que nos foi dito naquela apresentação, o mercado não nos oferece alternativa sobre a mobilidade. Não oferece a todos nós, porque não são todos que podem pagar paulatinamente a prestação de um carro, uma moto ou mesmo usar a bicicleta a todos os lugares. Esse sistema nos aprisiona em sua crueldade e isso não é técnico. Mas pensando bem, o giro maquinal da catraca, a lataria em desmonte funcional e a superlotação da estrutura podem fazer parte de uma vilania técnica, uma agressão automatizada. Talvez fosse isso que você quisesse dizer no momento, prefeito. 

Mas não há porque falar muito do senhor, realmente. Seu desempenho só representa a ponta de uma teia de impunidades. Não esquecemos, nem por um segundo, que o Governo Federal, determinadamente, isentou as empresas de ônibus em tantas taxas que esgotar-se-iam as palavras no texto. Se a intenção era reduzir tarifas e aliviar o povo, porque não houve esforços tão enérgicos quanto esse para a obrigatoriedade desse intuito? Não estamos tão confusos, nós já entendemos. Infeliz daquele que pensa que o transporte urbano e rural no Brasil é vítima de acasos. Na verdade, é um dos maiores casos pensados da nossa história. Um viral dentro da disputa eleitoral e na manutenção das hipertrofias da corrupção. Tão pútrido, que consiste num golpe à própria lógica capitalista e neoliberal, provando o quanto o privado pode ser degradante e disfuncional. 

Transcrevendo as palavras da FIPE: Essa tarifa, atual ou sob reajuste, só é justa se o transporte oferecer a qualidade prevista”. Recomendou-se que o Poder Público se aproximasse mais da regulação do sistema, através de maior fiscalização, punição e intervenção. Mas professor, a prefeitura é mais íntima dessas empresas do que o senhor possa imaginar. Não há quem as acompanhe mais de perto. Ele esboçou um sorriso, embora pesaroso. Em seus olhos encontrei o lamento pelo o que os números nunca poderão dizer.

A autora Elisabeth Zorgetz é ilheense, membro do Coletivo Reúne Ilhéus, escritora e graduanda em História na UFRGS. É membro do Núcleo de História da Dependência Econômica na América Latina e trabalha a prospecção de estratégias focais de reforma agrária no sul da Bahia.